A cor e a espacialidade nas pinturas de Santhiago Selon
A cor e a espacialidade nas pinturas de Santhiago Selon
Resumo: Este artigo discorre sobre o processo de criação do artista brasileiro Santhiago Selon abordando o universo geométrico e cromático proposto pelo artista na exposição “Novo Horizonte“ ocorrida em 2012 e em pinturas realizadas em muros e outros espaços urbanos da cidade de Goiânia, Brasil. Apresenta desenhos preparatórios, discute sobre a superfície e como o artista faz desta um plano para o acontecimento da pintura.
Palavras chave: Desenho, Pintura, Arte Contemporânea, Arte Urbana.
Abstract: This paper discusses on the Brazilian artist Santhiago Selon’s process of creation, addressing the geometric and chromatic universe proposed by the artist in ‘Novo Horizonte’ (New Horizon) exhibition in 2012. This universe can also be seen in wall paintings and other urban spaces in the city of Goiânia, Brazil. Besides, this article analyzes preparatory drawings, discusses the surface and how the artist plans his painting construction from it.
Keywords: Drawing, Painting, Contemporary Art, Urban Art.
1. Primeiras Geometrias
Recentemente pude conhecer o universo geométrico proposto pelo artista Santhiago Selon em uma visita à montagem de sua exposição “Novo Horizonte”, realizada em 2012 na Galeria da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás, FAV-UFG. Partindo do encontro ocorrido com o artista durante a montagem da exposição e posteriormente por meio de entrevista e conversas, gostaria de abordar determinados aspectos colocando em destaque as relações formais e cromáticas presentes em seu trabalho visual e a capacidade que Selon tem de efetuar, de modo intenso, mudanças na espacialidade dos locais que abrigam sua obra.
Santhiago Selon nasceu em Catalão, cidade do interior do Estado de Goiás, tendo, aos cinco anos, se mudado para a capital do estado. Já aos quatorzes anos iniciava incurssões nas ruas da capital, percorrendo a cidade para fazer pichações e graffitis em muros. Na companhia de outros amigos graffitou, até os 18 anos, letras com tipografias tradicionais - as chamadas Wild Style com contornos, preenchimento e volume, tendo depois passado à imagens figurativas de rostos mescladas a formas geométricas abstratas (Figura 1).
Figura 1. Pintura realizada em 2006 por Selon em Goiânia, Brasil. Foto: Acervo do artista
Hoje, ao caminharmos por bairros de Goiânia logo nos deparamos com inúmeras intervenções pictóricas que habitam fachadas e muros de casas, prédios e lotes. A pintura de Selon está presente em vários destes locais, mas, diferentemente da maioria dos outros graffitis os seus não utilizam a tinta em spray, já que o artista trocou a lata de spray por galões de tinta látex, esmalte e acrílica aplicadas diretamente às superfícies com rolos de espuma próprios para pintura de parede (Figura 2).
Figura 2. Pintura realizada por Selon em muro na cidade de Goiânia, Brasil. Fotos: Acervo do artista
O interesse pela abstração das formas levou Selon a estudar questões formuladas pelo construtivismo abstrato e outros movimentos modernos europeus. Tal fato reforça as escolhas feitas por ele, pois dentre uma infinidade de cores possíveis o artista utiliza uma paleta relativamente pequena: preto, branco, cinza, azul, vermelho e amarelo; cores que, segundo ele, se aproximam dos matizes utilizados pelo pintor holandês Piet Mondrian.
Selon irá ressaltar a influência que o artista europeu teve em seu percurso, ao afirmar, em entrevista realizada por correio eletrônico, que “algumas propostas dele eram bases também para a escolha de formas, contudo com o desenrolar dos meus estudos eu fui percebendo que eu necessitava quebrar certas regras propostas por ele e dar maior espaço para questões pessoais” (Selon, 2014).
Ao escolher uma paleta cromática aparentemente limitada, arriscaremos dizer que este é um dos aspectos que permite a Selon exercitar um grandioso e intensificado trabalho de repetição e reorganização das cores na superfície dos planos que elas ocupam. De outro modo, o artista cria um jogo de relações perceptivas por meio da proximidade e distanciamento físico entre cores previamente escolhidas em cada um de seus projetos e isso se torna possível, principalmente, pela escolha em se trabalhar com o conjunto reduzido delas (Figura 3).
Figura 3. Pintura realizada por Selon em muro de lote em Goiania, Brasil. Foto: Acervo do artista
2. Mapeamento de forma e cores
Para construir suas pinturas Santhiago Selon realiza desenhos e estudos preliminares com intuito de dimensionar o espaço de determinado lugar, recortá-los em planos menores, antecipar a organização cromática e compreender melhor escalas e ampliações necessárias. São estes estudos que auxiliam a visibilidade do projeto e possibildiade deste projeto sair de um suporte reduzido do papel e alcançar superfícies maiores como a de uma parede (Figura 4).
Figura 4. Estudo em caneta bic para posterior realização de pintura. Foto: Acervo do artista
Em seu processo o artista raramente dispensa o contato e o prévio conhecimento do local e da superfície que receberá sua pintura. Para isso vai pessoalmente a cada locação, ou, quando não é possível se deslocar, faz uso de fotografias com intuito de saber medidas, escalas e proporções aproximadas. Pelo nível de detalhamento dos projetos e principalmente pelo entendimento de seu próprio processo criativo, Santhiago quase nunca modifica um desenho inicial e na maioria das vezes faz apenas são alguns ajustes durante cada etapa da pintura. Segundo o artista
(...) as mudanças que mais acontecem são nas proporções do suporte, pois muitas vezes uso medidas intuitivas e no momento da execução a realidade pode ser um pouco diferente. Normalmente essas diferenças geram algumas mudanças na diagramação das formas, mas normalmente não é algo que me incomode ou mesmo modifique o que eu esperava como resultado. (Selon, 2014)
Seus estudos geralmente são feitos em papeis como o sulfite ou mesmo em papeis já utilizados no dia-a-dia. Para desenhar nas folhas utiliza caneta bic e lápis grafite, fato bastante significativo pois sinaliza, tanto a monocromia de seus estudos preliminares como nos apresenta a necessidade do artista em buscar outros modos de definir e identificar cada cor em um determinado projeto. Observaremos dois destes procedimentos que são auxiliares à visualização das cores nos estudos preliminares. O primeiro se dá com a identificação da cor por meio da nomeação de cada plano geométrico que compõe o desenho, onde cada parte é identificada com uma letra A, B, C, P, por exemplo (Figura 5).
Figura 5. Estudo preliminar com anotações e indicações das cores. Foto: Acervo do artista
Se compreendidas como um mapeamento por meio do código textual e que este se conecta a situações cromáticas, poderíamos levantar a questão que tais desenhos preparatórios permitem ativar um importante e ainda oculto dado até aqui, a saber; a parcela conceitual presente no processo de trabalho do artista. Por esta via, o desenho tanto nomeia como indica duas situções completamente dispares (cor e forma) que, por meio de elementos gráficos, constituem um complexo mapa cromático a ser seguido posteriormente nas fases da pintura.
É assim que, por diferença e buscando pela memória outras vias para explorar questões conceituais, aproximo as superfícies pintadas por Selon dos desenhos conceitualmente projetados pelo artista norte-americano Sol Lewitt, em sua série de desenhos propostos para serem executados em paredes; os chamados “Wall drawings”. Andrea Miller-Keller, curadora da obra do artista na 23ª Bienal de Arte de São Paulo, reafirma a importância do desenho de Lewitt para a Arte Contemporânea:
Os desenhos murais de Sol LeWitt tiveram considerável influência, direta e indiretamente, na história da arte contemporânea. O inovador conceito de suportes, frequentemente monumentais, ainda que de natureza efêmera, encorajou diversas gerações de jovens artistas a ampliarem as fronteiras da arte contemporânea em novas e diferentes direções, inclusive as instalações e a arte performática (Miller-Keller, s/d)
Toda obra do artista norte-americano, incluindo seus desenhos, torna-se de significativa importância por levantar, entre outras, discussões sobre pensamento, conceito e prática artística na Arte contemporânea. Para Lewitt (e outros artistas da arte conceitual) o planejamento de uma obra, as decisões a serem tomadas e as escolhas formais ou de outras ordens deveriam ser feitas de antemão, de modo que a própria execução manual da obra teria sua importância relativizada. Keller, em seu texto, ajuda-nos a esclarecer as propostas formuladas ao dizer que Sol Lewitt
[...] foi um dos mais influentes praticantes da arte conceitual, uma inovadora abordagem da prática artística que emergiu internacionalmente em meados dos anos 60. Os artistas conceituais avaliavam que o conceito original de uma obra de arte tinha a mesma importância que sua realização material. O que estes artistas propunham era um corte radical dentro das tradições da arte ocidental, que deu ênfase durante longo tempo ao artesanato e raramente ao produto final (Miller-Keller, s/d)
É assim, resumidamente, que na arte conceitual, e, para ser mais pontual, em “Wall Drawings” de Sol Lewitt, não é questão prioritária as habilidades da manufatura da pintura ou do desenho, sendo que este trabalho manual pode ser realizado por outros a partir de um detalhamento prévio e repleto de instruções a serem seguidas, estas sim, minuciosamente pensadas, organizadas e disponibilizadas a priori pelo artista. Dito isto, é que, diferentemente da postura de Lewitt, a pintura ainda exige de Selon uma intensa presença física, de modo que ele participa da manufatura e de cada etapa solicitada no processo das pinturas. Na exposição “Novo Horizonte”, consideraremos que é somente devido a grande dimensão pintura realizada e o curto período disponível antes da abertura da exposição, que o artista brasileiro precisou contar com dois artistas auxiliares para concretizar a manufatura da pintura proposta.
Já o segundo procedimento, diverso do primeiro, se dá quando o artista digitaliza osestudos monocromáticos feitos em papel para, em seguida, retrabalha-los em programas gráficos e diretamente no computador a fim de pintar as formas criadas (Figura 6). Sobre a digitalização e pintura dos desenhos vetoriais o artista descreve seu processo da seguinte maneira:
Em alguns momentos quando digitalizo e transformo os desenhos em vetores no computador, aí sim eu chego a fazer aplicação de cores. Quando eu desenho, tenho as cores na imaginação, e muitas vezes eu posso trocá-las na minha mente. Quando o trabalho é de fato produzido, o sentimento não é mais o do ato criativo ou imaginativo, ele passa a ser o da percepção corpórea. Nessa mudança minha percepção muda, seria algo como passar de um sonho para uma situação de vida real. A escala também chega a ser imaginada, mas quando as pinturas são feitas, eu fico bem contente em observá-las. (Selon, 2014)
Seus projetos, mesmo estando em escala reduzida e ainda no plano da superfície do papel, permitem auxiliar a visualização de sensações de profundidade de campo, das situações cromáticas, de escala e dimensão e de percepções corpóreas pretendidas, quando estes são realizados em escalas maiores.
Figura 6. Desenho vetorizado e colorido em programa gráfico. Foto: Acervo do artista
3. Acontecimento da pintura
De posse dos estudos previamente desenvolvidos e estando fisicamente em uma determinada locação, Selon inicia uma pintura fazendo marcações com o próprio rolo de pintura e com a tinta aplicada diretamente nas superfícies destes locais. Durante a produção da exposição “Novo Horizonte” na galeria da FAV, pude tanto acompanhar como me certificar que as marcações foram feitas sem o rigor de réguas e sim com o rigor do olhar do artista, dividindo as paredes brancas e retangulares da galeria em diversas outras formas geométricas menores. Ao traçar tais marcações Santhiago está desenhando com o olho e com a mão. Ao vê-lo em ação lembro-me de outro artista, o suiço Paul Klee, que em uma das anotações de seu diário nos diz que é preciso semicerrar os olhos para ver melhor (Klee, 1998, 248).
Ao olhar, e olhar mais uma e tantas outras vezes para aquelas paredes, Selon parece constantemente repetir o movimento de semicerrar os olhos para comparar; por proximidades e afastamentos, as afetações cromáticas e a melhor distribuição das formas criadas. Assim é que para ampliar as linhas gráficas diretamente nas paredes o artista não utiliza equipamentos ou recursos tecnológicos apurados como projetores ou lentes; ele o faz, traçando manualmente linhas de 3, 4, 5 metros de comprimento nas superfícies da galeria.
Na galeria, ao ampliar seu projeto para dimensões superiores a 3 metros de altura e em paredes de 10 metros de largura (Figuras 7 e 8), o trabalho do artista se agiganta e, junto a isso, modifica infinitamente o espaço que o recebe, potencializando e produzindo situações e organizações de cor e de forma na própria superfície das quatro paredes da galeria tornandoas um plano só; inseparáveis (o mesmo vale para as pinturas que são produzidas em muros de lotes desocupados ou no chão de pistas de skate).
Figura 7. Vistas da exposição “Novo Horizonte” de Santhiago Selon na Galeria da
FAV-UFG, 2012. Brasil. Foto: Acervo do artista
Evidencia-se então outro elemento de importância em seu processo que é a superfície, seja a parede ou o chão, já que o artista faz desta não um mero suporte para receber uma pintura, mas, de fato, um plano para o acontecimento da pintura.
Figura 8. Vistas da pintura na pista de Skate. Ambiente Skate Shop, Goiânia, Brasil.
Foto: Acervo do artista
Conclusão
Acompanhar o movimento criador durante a exposição “Novo Horizonte” ofereceu-nos a possibilidade de também situar, ou mesmo apontar novas questões e pensamentos ocorridos durante o processo de suas pinturas-paredes, bem como salientar decisões a priori tomadas pelo artista e elucidar estratégias de um desenho em ação.
De modo sistemático e alternadamente repetido o artista tem optado, ao utilizar formas geométricas simples e a escolha de cores saturadas em proximidade com o cinza, branco e preto, em pontuar e intensificar as relações cromáticas alcançadas ao utilizar-se desta paleta reduzida de cores. Salientamos que estas são escolhas que permitirão a Selon aprofundar a organização visual da obra em sua complexidade de arranjos visuais.
Retornando as conversas tidas com o artista, lembro-me que ao chegar à galeria tive uma intensa sensação de estranhamento, e por alguns instantes senti-me absorvido pelas forças das estruturas geométricas, das relações cromáticas, dos planos e das formas criados ali. De fato, meu estranhamento foi completado com uma pergunta, feita diretamente ao artista, se a exposição seria composta somente com as pinturas produzidas nas paredes ou se ele colocaria algo mais (um objeto, por exemplo) no centro da galeria. Uma pergunta sem sentido para a ocasião, já que a força do trabalho de Selon está justamente em, por meio de suas estratégias, deslocar o centro fixo do espaço a partir da ocupação das superfícies das paredes (ou do chão) tornando todo o espaço como um latente campo de percepção corpórea e visual. Mas é com essa mesma pergunta, sugida no encontro com a obra do artista, que tentamos aqui tornar visível outras importantes questões percebidas no trabalho do artista. Reforçamos que complexidade visual construída por Santhiago Selon na exposição “Novo Horizonte” ou nas pinturas encontradas nos espaços urbanos não necessitam de acessórios, objetos ou outros elementos complementares a serem inseridos ou mesmo instalados, se apresentando em potência e por si só como situações visuais criadas em cada superfícieparede e transformadas agora em superfície-plano-cor.
Referências
Klee, Paul. Diários. São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora, 1990.
Miller-Keller, Andrea (s/d). Sol Lewitt. [Consult. 2014-01-24]. Site da XXIII Bienal Internacional de São Paulo. Disponível em <http://www.23bienal.org.br/paises/ppus.htm#Nome>
Sampaio, Glayson Arcanjo de (2012). Os novos horizontes de Santhiago Selon. [Consult. 2012-12-07]. Jornal O Popular (Caderno Magazine). 06 dez 2012. Disponível em http://www.opopular.com.br/editorias/magazine/os-novos-horizontes-de-santhiago-selon1.242700>
Selon, Santhiago (2014). Conversa com Santhiago Selon. Entrevista cedida para Glayson Arcanjo. Correio eletrônico recebido em 24 janeiro de 2014.Selon, Santhiago. Flickr: Galeria de Selon. [Consult. 2014-01-24]. Fotografia. Disponível em <http://www.flickr.com/photos/selon/>.
Glayson Arcanjo